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segunda-feira, 21 de março de 2011

As evangélicas do Morumbi- Site Veja

As evangélicas do Morumbi
Igreja Vida Nova reúne mulheres ricas e de sobrenomes
famosos em seu rebanho de 2000 fiéis




Iris Abravanel, dona da grife Sister's in Law e casada com o empresário Silvio Santos: "Vi aquelas mulheres felizes e fiquei curiosa para conhecer esse Jesus sobre quem elas tanto falavam"Claudia Saad, mulher de Johnny Saad, presidente da Rede Bandeirantes: "Deus mudou meus valores. Já não dou tanta importância à roupa que vou vestir numa festa"


Seguidores de religiões evangélicas são normalmente vistos como pobres que vivem na periferia da cidade. Apesar de grande parte do rebanho se enquadrar nesse perfil, há uma minoria de convertidos ricos, chiques e de sobrenomes famosos. Em São Paulo, uma das igrejas que concentram fiéis de classe alta em seus cultos é a Vida Nova. Localizada no Jaguaré, perto do limite de Osasco, longe dos bairros mais freqüentados por esse público, a Vida Nova ganhou notoriedade após o seqüestro de Patrícia Abravanel, filha do empresário Silvio Santos. Na reprisadíssima entrevista que Patrícia concedeu no balcão de sua casa ao ser libertada, a euforia que demonstrou e a insistência com que pronunciou o nome de Deus deixaram meio mundo boquiaberto. Patrícia, suas três irmãs, Daniela, Rebeca e Renata, e sua mãe, Iris, fazem parte do rebanho de 2.000 adeptos da igreja. Mais do que isso, elas estão envolvidas com o principal projeto social apoiado pela Vida Nova, a Escola do Futuro (veja quadro). As quatro moças participam de trabalhos voluntários no colégio, enquanto Iris se dedica ao comitê encarregado de arrecadar fundos. Iris divide essa incumbência com outras onze mulheres. Uma das mais conhecidas é Patrícia Mansur, casada com Ricardo Mansur, o encrencado ex-dono das cadeias de lojas Mappin e Mesbla. "A escola é minha alegria neste momento", diz ela. No dia 7, terminou o mais recente evento organizado pelo comitê – uma badalada mostra de decoração, no estilo Casa Cor, onde foi feita a maior parte das fotos desta reportagem. 

Rogério Albuquerque

Patrícia Abravanel na sede da igreja: agradecimento às orações



Assim como Iris Abravanel e Patrícia Mansur, as outras dez mulheres do comitê são membros da Vida Nova. Mas elas continuam a cortar o cabelo (no L'Officiel, no Cassolari's, no MG Hair Design...) e a usar saias (algumas da Daslu) acima do joelho. "Percebi que não preciso seguir dogmas religiosos para ter Deus", explica Claudia Saad, mulher de Johnny Saad, presidente da Rede Bandeirantes. Claudia detesta ostentar ou tocar no assunto, mas não abriu mão dos jeans Dolce & Gabbana e das bolsas Prada. "Não estou preocupada em aparecer nem fico horas escolhendo a roupa de uma festa", diz. O pastor Luiz Carlos Muniz, fundador da Vida Nova junto com sua mulher, Ivonne, não vê nenhum problema nisso. "A Bíblia não diz que o indivíduo deve ficar pobre, apenas o direciona a dividir seus bens", afirma Muniz.
O grupo de mulheres costumava reunir-se nas tardes de terça-feira em mansões no bairro do Morumbi – onde quase todas elas moram – para orar e estudar a Bíblia. Hoje, os encontros religiosos acontecem geralmente nos cultos dominicais realizados na sede da Vida Nova, na Avenida Corifeu de Azevedo Marques. A fachada do local é feia. As paredes têm marcas de pichação e nenhuma placa indica tratar-se de uma igreja. No galpão de 1.100 metros quadrados quase não sobram cadeiras vagas. Em boa parte do culto – com duração de duas a três horas – os fiéis cantam e dançam músicas que vão de baladas ao rock. Muitos pagam o dízimo, equivalente a 10% de sua renda. As socialites evangélicas não dão detalhes sobre o valor de suas contribuições. Há seguranças uniformizados e, nos dias de culto, manobristas para estacionar os carros – entre eles, Audi, Mercedes, BMW... "Igreja não é só para pobre e ignorante", declara Ivonne, que, além de pastora, é presidente da Escola do Futuro e referência para o grupo de mulheres. "Os ricos também precisam de Deus, só que eles têm mais dificuldade para se entregar." O pastor Muniz garante que a igreja nunca buscou fiéis endinheirados. "Se quiséssemos pessoas ricas, nossa sede seria chique e não estaria na periferia", ressalta. "Existem muitos evangélicos na sociedade que preferem não declarar sua fé", acredita a designer de jóias Rosana Chinche, membro do comitê há dois anos. "Têm vergonha de assumir."


Fotos Rogério Albuquerque

Cláudia Cinel, evangélica há oito anos, entre quadros pintados por alunos da Escola do Futuro: "Não sofri lavagem cerebral na igreja"
Fotos Rogério Albuquerque

Darci Masini, mulher de Nildo Masini, vice-presidente da Fiesp: "Eu não sinto saudade de freqüentar chás da tarde"


Não é o caso delas, que pontuam suas frases com o nome de Deus e fazem questão de salientar quanto a igreja mudou suas vidas. Segundo Mônica Tranchesi, foram as orações que curaram seu marido, Francisco (primo do cardiologista Bernardino Tranchesi Júnior), de um câncer já em fase de metástase. Outro milagre que ela atribui à religião foi o nascimento de seu segundo filho. Mônica conta que tentava engravidar, mas sofreu três abortos espontâneos e ouviu dos médicos que não poderia mais ser mãe. "Numa viagem a Israel com membros da igreja, sonhei que tive um bebê, chamado Samuel", relata. "Quando acordei, soube que, na Bíblia, Samuel é filho de uma mulher estéril." Ela afirma que seu filho Lucca Samuel nasceu nove meses depois desse sonho.
Flávia Jafet, que descreve experiências semelhantes, está na igreja há doze anos. "Deixei de valorizar jóias, sobrenomes famosos, carros e flashes e passei a dar importância ao caráter", afirma Flávia, cuja família, de origem libanesa, fundou uma indústria têxtil que impulsionou o crescimento do bairro do Ipiranga. Ela conta que foi educada para se casar (o que aconteceu aos 19 anos) e ter filhos (são cinco), não para trabalhar. Separada do marido há quatro anos, Flávia arrumou o primeiro serviço de sua vida em janeiro. Foi ser ajudante de recepcionista na Escola do Futuro, atividade que mantém hoje uma vez por semana. Atualmente, trabalha na área de marketing do hotel que pertence a sua família há cinqüenta anos, o San Raphael, no Largo do Arouche. "Deus me disse: você será trabalhadora em vez de consumidora."


Dorival Elze

Linda Mollo
, ex-executiva da Varig: "Quando me converti, falava em Jesus o tempo todo. Minhas amigas diziam que eu havia me tornado fanática"
Dorival Elze

Cláudia Franco, advogada e promotora de eventos, diz que a fé mudou sua forma de encarar obras sociais: "Dou o melhor de mim, não o que sobra"
A religião redirecionou igualmente os interesses de Wilmara Scatena Siracusa e de Darci Masini. Wilmara, de 48 anos, foi dona-de-casa até 1999, quando arrumou seu primeiro emprego, como ajudante de cozinha na Escola do Futuro. Por dois meses, encarregou-se de tarefas como tirar a mesa e colocar louças na máquina. Hoje, trabalha na empresa do marido, a fonte de água mineral Pratânia. "Antigamente, quando eu ficava triste, ia fazer compras", compara. "Agora, busco a felicidade em Deus." Darci Masini, de 62 anos, mulher do industrial Nildo Masini, vice-presidente da Fiesp, afirma que descobriu sua verdadeira identidade aos 58 anos, quando ingressou no grupo. Ela, que nunca teve uma atividade fixa, dá aulas de jardinagem na escola e ocupa-se com os trabalhos do comitê. "Não tenho mais tempo nem sinto falta de freqüentar butiques e chás da tarde", diz.
Ao contrário da maioria delas, que jamais tiveram um emprego, Linda Mollo construiu uma carreira profissional de trinta anos na Varig, onde chegou a ser assessora da presidência. "Foi difícil quebrar minha racionalidade e compreender a Bíblia", admite Linda, que desde 1997 participa do grupo de oração com o marido e a filha. Nascida em família budista, ela revela que, ao se converter, falava em Jesus o tempo todo, o que levou suas amigas não-evangélicas a acreditar que se tivesse tornado fanática. "Mas não era nada disso, eu estava apenas maravilhada", afirma. "A igreja me tornou uma pessoa mais feliz", diz a médica Lúcia de Araújo Bertolla, que há dois anos vai regularmente à Vida Nova com seu marido e quatro filhos.


Rogério Albuquerque

Mônica Tranchesi (sentada), convertida há oito anos, e a médicaLúcia Bertolla: "Nosso Deus não está em um pedestal"
Dorival Elze

Flávia Jafet, da família de origem libanesa que impulsionou o crescimento do bairro do Ipiranga: "Minha identidade não está mais em jóias, carros e sobrenomes"


As mulheres do comitê tinham outras religiões antes de se tornar fiéis da Vida Nova. Cláudia Cinel estudou em escola de freiras. Era católica praticante, junto com o marido. "Na Igreja Católica, eu não cultivava o hábito de ler a Bíblia", lembra. A advogada e promotora de eventos Cláudia Setti de Gouvêa Franco era da Igreja Presbiteriana. Ela está há seis anos no grupo de oração, ao qual atribui a mudança de sua maneira de encarar as questões sociais. "Eu não dou o resto, o que sobra, mas o melhor de mim", afirma.
Locomotiva das socialites evangélicas, Iris Abravanel revela que entrou para a igreja em busca da felicidade. "Vi aquelas mulheres tão contentes e fiquei curiosa", conta. "Quis conhecer esse Jesus de quem elas tanto falavam." Iris, de família católica, já tinha freqüentado a evangélica Renascer em Cristo, em Alphaville. Em 1998, ingressou no grupo de estudo da Bíblia e levou suas filhas. Há um ano e meio, mantém uma grife, a Sister's in Law, com a cunhada. Seu envolvimento cada vez maior com a igreja teria provocado, em julho último, uma briga com Silvio Santos, que segue o judaísmo. Na época, comentou-se que ela destinava à igreja toda a sua mesada de 100 000 reais. Há três semanas, a filha mais famosa do casal, Patrícia, subiu ao púlpito da Vida Nova para dar seu testemunho de fé sobre o seqüestro. Agradeceu as orações de todos e foi ovacionada pelas cerca de 700 pessoas que lotavam o galpão.


O orgulho da Vida Nova 

Rogério Albuquerque

A pastora Ivonne: 40% dos alunos são bolsistas



Os meninos usam terno e gravata. As meninas, saia plissada e meia três-quartos. Os alunos que se destacam recebem broches com a inscrição "The Best" e têm retratos exibidos na entrada do colégio. As apostilas trazem trechos da Bíblia. Assim é a Escola do Futuro – nenhuma relação com o núcleo de pesquisa homônimo da USP –, fundada há três anos, no Butantã, pela pastora Ivonne Muniz, com base no modelo da americana School of Tomorrow. Tem 300 alunos (120 bolsistas), do maternal ao ensino médio. Bilíngüe e semi-interna, a instituição cobra mensalidades que chegam a 670 reais – valor bem menor que o das outras escolas bilíngües (de 1 286 a 2 496 reais). Para equilibrar o orçamento, depende de doações e do dinheiro arrecadado em eventos do Comitê de Promoção e Divulgação da Escola do Futuro. O colégio é o grande orgulho de Iris Abravanel e seu grupo de evangélicas.

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